segunda-feira, 4 de agosto de 2014

APENAS ME DISSERAM


“Me disseram “Você anda sumido” e me dei conta de que era verdade.
 Eu também, fazia tempo que não me via. O que teria acontecido comigo?
 Não me encontrava nos lugares em que costumava ir. Perguntava por mim 
e as pessoas diziam “É verdade, você anda sumido”. E “Que fim levou você?”
 Eu não tinha a menor ideia que fim tinha me levado. A última vez em que 
me vira fora, deixa ver… Eu não me lembrava! Eu teria morrido? Impossível,
 na última vez em que me vira eu estava bem.
 Não tinha, que eu soubesse,
 nenhum problema grave de saúde. E, mesmo, eu teria visto o convite 
para o meu enterro no jornal. O nome fatalmente me chamaria a atenção. 
Eu podia ter mudado de cidade. Era isso. Podia ter ido para outro lugar,
 podia estar em outro lugar naquele momento. Mas por que iria 
embora assim, sem dizer nada para ninguém, sem me despedir nem 
de mim? Sempre fomos tão ligados. No outro dia fui a um lugar 
que eu costumava frequentar muito e perguntei se tinham me visto. 
Não era gente conhecida, precisei me descrever. Não foi difícil 
porque me usei como modelo. “Eu sou um cara, assim, como eu. 
Mesma altura, tudo”. Não tinham me visto. Que coisa. Pensei: 
como é que alguém pode simplesmente desaparecer desse jeito? 
Foi então que comecei, confesso, a pensar nas vantagens 
de estar sumido. Não me encontrar em lugar algum me dava uma 
espécie de liberdade. Podia fazer o que bem entendesse, 
sem o risco de dar comigo e eu dizer “Você, hein?”. 
Mudei por completo de comportamento. Me tornei - outro! 
Que maravilha. Agora, mesmo que me encontrasse, 
eu não me reconheceria. Comecei a fazer coisas que até eu duvidaria,
 se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas
 com a minha mudança era: “Nem parece você”. Claro que não 
parecia eu. Eu não era eu. Eu era outro! Passei a me exceder, 
embriagado pela minha nova liberdade. A verdade é que estar
 longe dos meus olhos me deixou fora de mim. Ou fora do outro. 
E um dia ouvi uma mulher indignada com o meu assédio gritar
 “Você não se enxerga, não?” E então, tive a revelação. 
Claro, era isso. Eu não estava sumido.
 Eu simplesmente não 
me enxergava. Como podia me encontrar nos lugares onde me 
procurava se não me enxergava? Todo aquele tempo eu estivera lá,
 presente, embaixo, por assim dizer, 
do meu nariz, e não me vira. 
Por um lado, fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem, não precisava 
me preocupar. Por outro lado, foi uma decepção. 
Concluí que não tem jeito, estamos sempre, irremediavelmente, 
conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de nós. 
A gente não desaparece. A gente às vezes só não se enxerga.”



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